quarta-feira, 16 de junho de 2010

Crianças sofrem maus-tratos em abrigo público

 
Diário do Nordeste
Quarta 16/6/2010
 
Pulsos presos: menino chamou a atenção dos visitantes por estar amarrado, assustado e com poucas peças de roupa. Para Cedef, exemplo de afronta à dignidade
humana
MIGUEL PORTELA
 
15/6/2010
 
Instituição de pessoas com deficiência viola direitos fundamentais à liberdade, igualdade e educação
 
Adultos e crianças internos no Abrigo Público Desembargador Olívio Câmara (Adoc), no Antônio Bezerra, estão expostos a maus-tratos. Isso foi observado
pelo Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Cedef) na tarde de ontem, ao visitar o local. Crianças amarradas nos pulsos e na cintura,
outros deitados ao relento, presos em espaços gradeados.
 
Por serem crianças, adolescentes e adultos com deficiência intelectual de diversas naturezas e em situação de abandono familiar, eles vivem internos no
abrigo. São 73 pessoas, sendo 52 adultos e 21 crianças e adolescentes com idades de 7 a 18 anos. Os abrigados são classificados como educáveis, treináveis
e totalmente dependentes. Alguns trajam macacões fechados, roupa utilizada para facilitar a contenção e evitar que fiquem nus. As vestes discriminavam
aqueles que são considerados de maior gravidade.
 
Essa classificação foi considera uma afronta à dignidade das pessoas com deficiência. Quem afirma são os membros do Cedef, que, pela terceira vez, visitavam
o local. Entre as violações apontadas estão a presença de celas e as práticas de imobilização dos abrigados por longos períodos, sem a presença ou supervisão
de médico. Por não ser de natureza distinta de um hospital psiquiátrico, a entidade não teria competência para administrar esses procedimentos.
 
Relatório
 
Ainda em janeiro deste ano, representantes do Cedef, bem como do Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência (Campe), fizeram uma visita técnica
ao Adoc e elaboraram um relatório sobre as condições observadas na entidade.
 
O documento foi enviado à Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), órgão mantenedor do abrigo, desde janeiro. A resposta às recomendações,
entretanto, ainda estão sendo elaboradas e só serão entregues no dia 23 de junho próximo, na sede do órgão, informou a assessora da Célula de Proteção
Social Especial, Rita de Cássia Marques.
 
Durante a visita, realizada por volta das 15 horas, havia, na instituição, apenas cinco profissionais. De acordo com Rita de Cássia Marques, estão empregados,
atualmente, 146 funcionários. No momento da visita, não acontecia nenhuma atividade de entretenimento ou mesmo de estimulação.
 
Já no fim da tarde, um estagiário de Educação Física iniciou um treino de futebol com alguns adolescentes. Único momento em que vestiram trajes padronizados.
As roupas que eles usam habitualmente são originárias de doações, e não existe nenhuma individualização.
 
A coordenadora justificou a carência de profissionais alegando que a maioria trabalha no período da manhã. Único horário, inclusive, que existe um médico,
atuando por quatro horas. Ela reconheceu a carência de profissionais e informou que estão em processo de contratação quatro educadores. Rita de Cássia
não soube informar quantas crianças frequentam a escola, mas estimou que não chegue a 2%. "As escolas não estão preparadas para atendê-las", disse.
 
INTERNOS
 
73 Pessoas moram no Adoc, entre adultos e crianças com deficiência intelectual de diversas naturezas e em situação de abandono familiar
 
RECURSOS ESTADUAIS
 
Reforma custará R$ 5,8 mi
 
Diretoria do Abrigo Público Desembargador Olívio Câmara (Adoc) apresentou um projeto de reforma que contará com um investimento de R$ 5,8 milhões do Governo
do Estado do Ceará.
 
A destinação de tal quantia preocupa os conselheiros que visitaram o abrigo, já que consideram como predominante a falta de projetos de humanização e de
melhoria no tratamento aos abrigados. Para Keila Chaves, presidente do Centro de Apoio às Mães de Portadores de Deficiência (Campe), "a questão maior não
é infraestrutura, mas sim falta de estimulação e de inserção nas escolas para estas crianças. Elas têm direito a frequentar a rede regular de ensino, à
convivência familiar e à inclusão. Se a sociedade não conhecer como são tratados estes meninos, continuará a segregação", adverte.
 
Keila Chaves possui um filho portador de deficiência intelectual e tem conquistado o respeito a alguns direitos fundamentais, entre eles, o ensino regular.
"Não me importo que ele corresponda perfeitamente ao ensino formal, minha satisfação é vê-lo entre outras crianças. As pessoas precisam conhecer a importância
da convivência social. Temos de vencer mitos criados como o de que eles são agressivos", completa.
 
Para a representante do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Cedef), Joanice Cordeiro, ao permanecerem internados no Adoc, sem realizar
visitas externas ou frequentar a escola e outros espaços públicos, os abrigados perdem o direito a liberdades fundamentais e à construção de uma vida integrada
à comunidade. "O isolamento reproduz uma lógica preconceituosa", acredita.
 
JANAYDE GONÇALVES
REPÓRTER